domingo, 5 de abril de 2009

poisé, não é mesmo, XIX


a origem dos macieira juncal



De frente para o Supermercado Inca, no centro mesmo da cidade, fica o Hotel Corumba, que tem o mesmo nome da cidade, na rua Comendador Ramon. Esse hotel, de primeiro, foi a casa que o Antonio Ramon mandou construir para ele e a nova mulher, inaugurando os tempos de riqueza. Mandou trazer de Portugal todo o acabamento da casa. Os azulejos portugueses, dos quais ainda restam alguns na fachada do hotel, as sedas de cama, os linhos da mesa, as porcelanas inglesas também foram primeiro à Portugal, antes de aportar no Brasil.

Para receber toda a carga que importara, Antonio Ramon, que estava para ser feito Comendador, com a comenda comprada ao Rei do Brazil, preparou dois homens de sua inteira confiança. Mulatos os dois, já produtos da miscigenação. Altos, com as pernas muito compridas e finas, quase que as mulas passavam por debaixo deles.
De um, mandou tirar os dois olhos para que ficassem mais apuradas a audição e a fala. Do outro, cortou a língua e furou os tímpanos, para que a visão tivesse mais acuidade  e, contar como os acontecidos?
Um descansava de dia, durante as longas viagens entre as Minas Gerais e o Porto de Estrela, no Rio, para pegar as encomendas, e levá-las intactas a seu dono. Dormia, encurvado sobre a mula, que embalava seu corpo. Era o cego quem dormia assim, Para atilar nas noites em claro, em que era só ouvidos.
O que enxergava ia comboiava a tropa pelos caminhos. Sem fazer muito barulho, evitava lugares difíceis de passar, porque como o patrão disse o cego era mais importante, ele tava com o ouvido tão treinado que podia ouvir qualquer um que chegasse de maldade para roubar a tropa.

Como a casa era uma enormidade, um luxo!, para mais de sessenta quartos, oito cozinhas, vinte e duas salas e, de metro em metro, havia uma porta ou janela para abrir, Antonio Ramon contratou um empregado. Este já veio manco de nascença. para fazer uma só coisa: abrir e fechar  as janelas da casa, todos os dias, fizesse chuva ou sol.

O manco começava de manhã bem cedo o seu serviço. Antes das cinco. Quando havia lua, e ela estava bem alta no céu, ele terminava de fechar a última janela.
As janelas do quarto de sua mulher eram abertas ou não, segundo seu desejo, por uma das dez criadas que a serviam. As dele, do seu quarto, o patrão fazia questão de abrir ele mesmo. Escancarava das janelas a rua de terra batida, vermelha do barro bom de plantar café; metade do ano trazia poeira, na outra metade, lama.

Aos poucos Antonio Ramon e sua nova mulher, de quem ninguém lembra o nome,  povoaram a casa. E, juntamente com a casa , a cidade, de dezenas de Ramons, legítimos e bastardos,  sem conseguir gostar de nenhum deles com o mesmo amor que sentira por sua filha Maria que, agora, guardava sua fortuna.

Nesta época não existia o Supermercado Inca. Para abastecer a dispensa os Ramons tinham suas terrras de plantação e criação. Mas as iguarias mandavam trazer da Europa. Era um ir e vir que não parava nunca. Os bons chás, ervas de cheiro apetitoso, caixas de bacalhau, chocolates, licores e perfumes, bolos e biscoitos, e bebidas, muitas bebidas. Fumo para cachimbo. Charutos . E uma raiva profunda quando piratas abocanhavam a carga, impedindo que esta chegasse.Ainda bem que Antonio Ramon preferia a bagaceira da terra, feita em suas fazendas, que lhe ardia dos gorgomilos aos bagos, quando a tomava de um trago só.

Os mulatos tropeiros de Ramon, um cego e outro mudo e surdo, salvaram por várias vezes, de negros assaltantes, negros fugidos, os tesouros que seu amo mandava vir de Portugal.

O cego chamava-se Simão e o surdo-mudo ficou com o apelido de Quém-quém. Porque, ninguém nunca contou. Dizem que foi sempre assim.
Acontece que Simão e Quém-quém, de tantas idas e vindas ao Rio de Janeiro, tornaram-se conhecidos e gabados por sua honestidade e fidelidade ao amo.

Um dia, chovia como se fosse acontecer a enchente das goiabas. Um jovem bem posto, acompanhado por um séquito de serviçais, montado num cavalo de dar inveja de bonito e tão bem ornamentado, abria ala para uma carruagem bem acolchoada onde estava uma senhora, que por semelhança parecia sua mãe, e algumas mucamas. Ele, homem desabrido, aproximou-se daquele casarão e olhou. Olhou muito, avaliou. Em seguida rumou para a melhor hospedaria da cidade, onde acomodou a senhora e providenciou pouso para a criadagem e os animais da tropa. Era o conde de Macieira e Juncado, o jovem rapaz, que viera trazer ares metropolitanos à pequena cidade do interior! Corumba modernizava-se!

Ao saber da estada do nobre na cidade, Antonio que não gostara inicialmente da chegada dos intrusos, mandou sua mulher ataviar as filhas mais velhas, Mariela, Maristela, Marivalda e Marilda. Ordenou  um baile de gala para homenagear os visitantes.
E foi neste baile que Marilda encontrou seu esposo, com quem deu início à linhagem dos Ramon Macieiera Juncal.
Ao casar com o conde Reinaldo, Marilda formou a família mais fecunda de todo o Brasil e do sul de Minas Gerais. Em cada cartório, banca de advogado, escritório de engenharia, em cada comércio bem sucedido, no ramo imobiliário, enfim, em todas as atividades existentes há um Macieira aaJuncal. Criaram e fundaram várias cidades famosas. Se espalharam por São Paulo e Rio de Janeiro.
E desta última cidade, alguns séculos mais tarde, retornou para morar em Corumba, a Renida, que comprou o lote do Carlinhos.
Ela recebeu este nome em homenagem aos antepassados distantes, Reinaldo e Marilda.
Renida, a neta solitária, que perambula hoje pela cidade, desprezando os mineiros, e botando contra cada um que esbarra de mal jeito em seu caminho, uma pendenga na justiça. Dizendo em alto e bom som, que não precisa de ninguém, não quer a companhia de quem quer que seja, pois odeia gente.

Mas isto é outra história. Por enquanto vamos ver o que faz o Carlinhos.



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