terça-feira, 21 de abril de 2009

pois é, não é mesmo, XXI



a ronda da morte




Aqui nesta cidade é mesmo assim, explicou Carlinhos. O um fica devendo no banco, vende tudo o que tem dizendo que é para pagar, abre outra conta bancária em outra cidade, em nome dos filhos, e vai juntando dinheiro. Um empresta daqui, outro dali, mas a dívida dele não diminói. Só aumenta. Os agiotas começam a ficar impacientes. Mas ainda lhe fornecem mercadoria. Tô te contando a história de um açougueiro que fez isso! É só um exemplo, mas a maioria faz como ele. Só em banco devia pra mais de duzentos mil reais! Penhorou tudo o que tinha. E mesmo penhorado foi vendendo. Vendeu a casa, o açougue , o sítio e, mesmo com o açougue vendido, não entregava, continuava com as carnes lá, atendia ao povo. Até que um dia estourou tudo. Processo daqui, processo dali. O promotor chamou. Ele já tinha pedido concordata. Tô falido, quebrado, respondeu pro promotor que era amigo dele. Só tenho o dia e a noite!
O promotor não pode fazer nada. O homem tá duro! Não tem um tostão. Nem propriedade, nem nada.
Aí o açougueiro sumiu. Foi embora da cidade, se dizendo envergonhado. Desapareceu por anos a fio. Muito tempo depois dei de cara com ele. Carro do ano, nos trinques, mansão na praia, sítio nas montanhas, um vidão!
-Fiquei te devendo um dinheiro rapaz, ele coça a cabeça quando me encontra. Mas sabe como é, o real, ninguém compra mais nada. Tudo muito difícil! E agora, como é que a gente faz?
Aí encabulei. E eu disse. Não tenho vergonha de dizer não! Vergonha eu tive na hora em que ele falou isso. Eu disse ara! deixa isso pra lá! pra que serve um amigo se nessas horas não ajuda?
Tomamos uma pinga. Nos demos um abraço, um aperto de mão, recomendações às famílias e fomos embora.
Na estrada, de volta pra casa, meu rosto tava ardendo de vergonha. Vergonha de mim e dele! De mim que ainda tomei pinga com o safado. Dele, dele, ara, sei lá porque. Porque ele mesmo tava feliz da vida!
E é isso que vai contecer com o Pedrinho. Deve pra mais de duzentos no Banco Real, outros duzentos no Bemge. Está com tudo penhorado. Vendeu a fazenda penhorada por cento e cinqüenta. O comprador tá doido pra regularizar a compra e não consegue. Vendeu a casa onde mora, que tá penhorada também, por cento e oitenta mil ,pro irmão e tá pagando um aluguel de seiscentos reais, para esse mesmo um. A loja onde vende carro tá penhorada e ficou fechada pra mais de ano por causa do imposto de renda. Ganha um dinheirão com os loteamentos que tem e não paga nada.
Num domingo a gente foi pro botequim e ficou bebendo. Aí falou: já tou cheio desta cidade. Um dia destes compro uma mansão em Ubatuba, um Cheroquee, e vou pra lá. Fiquei com a pulga atrás da orelha. Ara, se ele ainda tá apertado é porque tá pagando juros disso tudo, ou não paga nada e guarda o dinheiro.
Eu acho que ele vai fazer o mesmo que o açougueiro fez. Na hora em que as coisas ficarem pretas ele se manda! Vai pruma mansão em Ubatuba, na beira da praia.
Pedrinho era quitandeiro. Quitandeiro dos bons. Os irmãos dele, todos, vivem disto. Um tem dois sacolões. Mas só fala de milhão pra cima. Ficou com mania de grandeza! Agora é assim.
Noutro dia ele veio no escritório aqui do matadouro saber se eu tinha um tempinho. Falei que pros amigos tinha todo o tempo do mundo. É o seguinte Carlinhos, ele falou, aqui tem muito trabalho de terraplanagem. E na cidade ninguém mexe com isso. Então eu recebi o dinheiro da fazenda e pensei: vou à Juiz de Fora comprar um trator de esteira, uma retro-escavadeira e uma patrol. Quero saber se você pode ir comigo.
Claro que posso Pedrinho, eu falei, É pra hoje, é pra amanhã? Me avisa só com um tempinho de antecedência que eu vou. Falou que ia avisar e saiu.
Aí fui tomar um cafezinho no botequim e encontrei o Marcelo, filho dele. Contei a história, todo feliz pelo Pedrinho, que era negócio certo. Aí levei um susto. O Marcelo me avisou que era loucura do pai. Que ele não tinha dinheiro nem pra comprar uma galinha. Nem pra comprar uma galinha!
Tem uma senhora que comprou um terreno dele. Encontra a gente e mete o malho nos mineiros. Só fala mal. Mas vem todos os anos passar o verão aqui. Aí diz que tudo que tem de ruim no Brasil começou em Diamantina, com o Juscelino Kubistcheque. Que na mania de grandeza dele, que é coisa de mineiro, cismou de construir Brasília e endividou todo o povo no FMI. Vendeu o Brasil inteiro pros americanos. E coisas assim. Ara, se ela acha que a gente é tão ruim assim, o que vem fazer aqui? Põe o Pedrinho na justiça, ara!
Pior é o Fernando Henrique, que é carioca, e mandou pro Congresso uma lei privatizando todas as florestas do Brasil. Inclusive a amazônica! E o Congresso vai engolir tudo numa boa, como sempre. E não tem mineiro indo pro Rio falar mal de carioca não!
Que adianta? Eles fazem o que querem!
E ainda fica o Lima, que saiu lá de Pernambuco,de Catende, onde morria de fome, pra fazer artesanato aqui, dizendo que Minas gerais é terra de reencarnação de judeu. Que mineiro é todo mundo judeu! Ara! que veio fazer aqui. Volta pra Pernambuco. Ou fica aqui sem xingar a gente uai!
Você quer saber mesmo de quem é a culpa? É da televisão! É do Roberto Marinho, principalmente. Do Silvio Santos nem tanto! ele é mais humilde. Mas lá na tevê do Roberto Marinho tudo é grandioso. O rico é muito rico. não existe pobre no país. Quando existe, o pobre é bandido. É o assassino!
Todo mundo quer uma vida daquela. Ser povo de novela. Todo fazendeiro é rico, tem jatinho! Fazendeiro pobre, que é a maiorira, não existe. O resto do pessoal é peão burro e sem terra. No final da novela os sem terra ganham fazendas e vão ser fazendeiros ricos. Ninguém fala em dificuldade . Em chuva demais e seca que atrapalha a colheita. É tudo fácil, abundantes. Pegam cada mulheraça que só vendo! Viajam o mundo inteiro pra comprar cada gadão! Eu heim, ara! quem não quer ser assim?
Foi isso que virou a cabeça do Pedrinho! Nada mais nada menos do que a televisão.

E foi justo nessa hora que Renida desceu a ladeira da casa lá dela. Naquele passo meio desesperado, abanando a mão em chamamento. Cheguei a ouvir meu nome ser pronunciado por duas vezes. Antonio! Antonio! Depois dois estampidos. Olhamos para o céu eu e Carlinhos para ver de onde estavam soltando os fogos. O sinal de que a droga tinha chegado. E voltamos a olhar, juntos , sincronizados, havia um ôco total na natureza, nenhum pio, e nossos olhos se encontraram tanto ao olhar para cima, para o céu, como ao olhar para a casa da Renida. E a vimos. Estirada na estrada, no meio de uma poça sangue, que como se fosse nascente, mina, escorria pelo barro vermelho da estrada. Estacamos em estupor. Não dava para acreditar!
Julio chegou correndo, vindo dos lados do matadouro e tentou levantar Renida do chão. Foi quando Carlinhos lembrou de seu tempo de delegado.
Solta ela! solta ela! cê tá doido? Vão encontrar suas digitais nela! E se mexer no corpo atrapalha o trabalho da polícia. E enquanto acocorava ao lado do corpo, tirava um espelhinho do bolso. Encostou no nariz da Renida e nada. O espelho não embaçou.
-Tá morta, confirmou.
-Mas por que você carrega este espelho no bolso, perguntei?
-Hábito de delegado, disse com autoridade, manda a Zaza chamar a polícia. E tirou a camisa que colocou sobre o rosto da morta.
-Segunda morte neste início de ano, resmungou. Em quinze dias duas mortes no mesmo mês. Vamos mal. muito mal. Isso é sinal de mau agouro. A morte ronda a gente...

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