terça-feira, 31 de março de 2009

pois é, não é mesmo? VIII

aneurisma


Mas deixa eu voltar à vaca-fria com Carlinhos contando as coisas:


Depois disso pedi benção a meu pai e fui pesquisar nos museus, nos livros, toda a história desse tesouro.
Meu pai sempre disse que numa cidade estranha, e na minha também, eu devia procurar pelos mais velhos pra me informar. Porque eles tinham o segredo. E assim , pela vida, fiz.
Passei grande parte da minha mocidade ouvindo os mais velhos. E todos contavam essa mesma história do tesouro.
Estudei a biografia da Bárbara Heliodora todinha. Ela era quase uma rainha! Mandava em alguns lugares mais do que o rei!
Fui até Conceição dos Ouros e vi muito homem bateando mais de cem gramas de ouro por dia. Até que me vi sozinho. Só eu procurava pelo tesouro. Ninguém mais se interessava por ele. Não vinha mais ninguém cavar buracos, depois daquele vento. Todos esqueceram, ou morreram de medo. Então pensei, tá na minha hora de casar. E casei. Tive os filhos. Tenho os netos. Mas o tesouro não desgrudou de mim.
Tive lá em Conceição do Rio Verde com a Leila Alkimim, que sempre confirmou que o tesouro tava por aqui.
Seu Jonga ainda está vivo até hoje e jura que existe o tesouro. São patacas e patacas de ouro, enterradas em potes de barro, destes com duas alças, muito grandes, com um lajedo em cima.
Todos dizem que o tesouro existe, mas ninguém mais se interessa por ele, além de mim. Pensei que meus filhos pudessem seguir na busca, mas nenhum se interessou.

No ano passado esteve aqui um judeu muito rico chamado Zimermman. Ele também tinha ouvido falar do tesouro e mostrou um papel dizendo do direito dele, adquirido no subsolo de Minas Gerais, para explorar todo tido de minério, assim como o Eike Batista, que é dono de todas as águas do subsolo daqui. O pai dele, dizem, quando era Presidente da Vale do Rio Doce, tirou direito no nome do Eike o direito.

O tal do Zimermman trouxe tudo que é equipamento. Botou o contador geiger para funcionar lá no lugar que seu Jonga mostrou, onde o Eduardo passou máquina pra construir a casa dele. O que eu te conto vai ser uma loucura, porque lá tem alma gemendo que é uma coisa. O contador ficou doidinho. Não parava de estralejar. Foi uma coisa arrepiante. O Zimermman andava pra cá e pra lá com o contador querendo saltar!
Depois os tal do judeu sumiu. E, até, hoje, nunca mais ouvi falar dele.
Você também não concorda que é loucura do Eduardo? Eu até me pergunto como você teve coragem de construir lá do lado e ficar morando lá. Nenhuma alma te assusta não? -Ele me perguntou ao lado do fogão de lenha da casa dele onde a mulher preparava bolinho de chuva.

Neste meio tempo o Antunes morreu. Eram três horas da madrugada do primeiro dia de janeiro de l997, quando o Carlinhos começou a falar do tal judeu. O resto da história ficara para o dia seguinte, ou melhor, algumas horas depois, porque dia seguinte já era.
Mas a cachaça já atordoava as lembranças do Carlinhos. Ele disse que era sono. E foi dormir.
De manhã, lá pelas nove horas, assim contou Zazá, Pedrinho esteve no Matadouro e ficou conversando até perto das onze , quando Carlinhos veio pra casa almoçar. Lá no canto dele. Que ele se acha muito bom pra sentar na mesa com a gente e comer junto.
Aí o Leandro – que é o neto da Zazá- levou um tombo e bateu com a cabeça no chão. Ninguém almoçou com tanta preocupação. Carlinhos voltou para o matadouro municipal, do qual é dono.
Uma vez ele me chamou para mostrar como matavam e esquartejavam os animais. Vacas com mamite, magras, touros bravos, ou já derreados no chão.
Antes de chegarmos às mesas de madeira e concreto, onde ficavam os animais para serem abertos, passamos por corredores de carcaças ensangüentadas, penduradas por grossos ganchos de ferro, em tubos também de ferro, enferrujado, como se fosse um closet de roupas só vermelhas, que ainda pingavam o corante com que haviam sido tingidas. Imensos fraques, de uma aba só, ou imensas asas, mutiladas, que não podiam voar.

Num canto do matadouro estavam jogados fetos de bezerros de todas as idades, alguns ainda vivos, quase nascidos, amontoados uns sobre os outros, esperando virar lingüiça.
Alguns dizem que comer carne de vaca prenha dá dor de barriga, explicou o Carlinhos. Dá nada! O povo só fala ignorância! Eu mesmo já fiz muito churrasco com carne de vaca prenhe e nada senti!
Zazá ligou para casa de um médico amigo, e foi na casa dele levando o neto, ver se tinha acontecido alguma coisa com a cabeça do Leandro, por causa do tombo.
Aí ela ficou sabendo da morte do Antunes. Aneurisma!

Ele levantou às nove horas e pediu um remédio para a mulher, que estava com dor de cabeça. Aí a Dorinha foi pegar. Aí ele vomitou. Mandou ela chamar um médico porque estava tonto também. Enquanto ela limpava o vomitado o Antunes deitou na cama.
Ela ligou pra filha que é casada com o dr. Nilo, bom médico. Aí a filha falou, que nada mãe, é ressaca, o pai bebeu muito ontem! Passa o telefone pra ele. Aí Dorinha passou o telefone. Mas cadê o Antunes? Ele está desmaiado, filha! Que nada mãe, deixa ele dormir! Filha, chama o Nilo que o Antunes está mal. Fica tranqüila mãe, o Nilo vai tomar o café da manhã e nós já vamos. Mas o papai tá só dormindo. É só uma baita ressaca.

E não é , repetia Zazá, que o Antunes estava mesmo morto? Você sabe como é cidade do interior, não é? Quando eles chegaram era na hora do almoço. Dorinha tava desesperada de tanto chorar e sacudir o Antunes. E o Antunes morto!
Agora, imagina aquela mulher sacudindo o corpão daquele homem! E cadê que ele cabia no caixão? não tinha um caixão que coubesse nele! Então o jeito foi ir de ambulância, sem caixão mesmo, para São Paulo. Oia só! Ele quis ser cremado! E foi sozinho, nessa viagem inteira, o corpo dele na ambulância, e o ajudante. Ninguém da família.
O corpo saiu daqui às dez horas da noite. E cadê que ela deixava levar o Antunes? Se agarrava nele, dizendo que ele ia viver de novo... àquele corpão pesado do Antunes, mais a Dorinha pendurada nele! Até que o Dr. Nilo deu uma injeção que apagou ela. Lá foi então o Antunes sozinho pela Dutra, sem ninguém da família com ele.

A Dorinha ia pra São Paulo no dia seguinte assinar a papelada e trazer as cinzas. Ela vai jogar o que sobrar dele no rio. Mas que rio? O Rio verde, ou o Rio de Janeiro? Não sei! A Dorinha não explica. Ele só disse que quer ser jogado no rio. Foi o que a Dorinha falou! E agora, já pensou no que vai ser da imobiliária? A Dorinha diz que volta pro Rio, que não quer saber de nada! O Antunes tinha muitas dívidas, é o que o povo diz! Bem, vamos ver, não é? Deus sempre escreve certo por linhas tortas.

A Miranda, cujo marido é caseiro do Pedrinho, disse que ele vai ficar com a Imobiliária. Eu não disse que o Pedrinho tem trato com o cujo? E o senhor não acredita. Faz tempo que ele queria que queria montar uma imobiliária junto com a loja de automóvel dele, não é? Agora não precisa montar. Já tem. Os negócios dele, do loteamento tão lá mesmo, não é? Lá com seu Antunes. O cujo levou uma bezerra dele no natal, a melhor. No ano novo deu de presente uma imobiliária. Pode? Tem coisa aí, não tem?



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