voz de pum
Joãozinho era um menino sem palavras. Ele não dizia nada. A palavra ainda não nascera para ele. Nem para dizer, nem para ouvir. Então seus olhos ficavam parados em algum ponto fixo, ou rolavam nas órbitas vigiando a paisagem. Diziam os médicos que era só ele querer que falava e que a surdez não existia. Fizeram de um tudo para ele falar. Depois esqueceram. Havia muita gente para tratar e que podia pagar pelo tratamento. Joãozinho vinha pelo SUS. Havia que esperar.
Quando dona Joana falava, ele fincava os olhos nela como se entendesse tudo e gostasse do que ouvia. Alguns diziam que ele não falava por respeito à fala. Dona Joana dizia que ele admirava tanto o som que tinha complexo de inferioridade. Não se achava digno de fazer barulho. Por isto, a cada pum barulhento, ele escondia o rosto e chorava, ou melhor, as lágrimas escorriam dos olhos que ele arregalava com horror.
Vem cá menino, disse dona Joana. Ele foi. Parou de perna juntinha, braços colados no corpo, virou a cabeça para cima e abriu a boca. Foi o suficiente para sair um pum. Prolongado, gemido, fedorento. Ele gemia de soçobrar, virava curva, e morria devagar. Um pum que morria de suspiro.
Joãozinho estava com a cara toda molhada de lágrimas. Vermelha de vergonha. Dona Joana nem perdeu tempo. Deu logo o veredicto. Está na hora deste menino falar. Ele quer dizer alguma coisa e como não sai a voz por cima, pela boca, faz caminho inverso, sai por baixo. E a voz dele está triste, desesperada, repara como soluça. Todos ficaram aguardando o próximo pum. Demorou mas veio, gemido, solavancado, fedido.
Você precisa falar, meu filho. Falou dona Joana com a mão no queixo dele. A cara molhada, nariz cheio de ranho, olhava para o chão e com o pé descalço rabiscava ondinhas na poeira vermelha da terra.
Fale palavras simples, meu filho. Como pão. Leite. Pai. Mãe. O menino sacudiu a cabeça. Peidou um som cavo e fedorento. Assim não dá menino, falou dona Joana com a barra da saia tampando o nariz. Fala ba, pediu depois que o fedor diminuiu. Fala te, insistiu e explicou: você vê isto aqui, menino, sacudiu as próprias orelhas? Cada orelha ouve um som.
-Ele está discriminando os sons. Berrou Renida da varanda da casa dela.
_ O que você falou?
_ Quem não fala discrimina a palavra. Se acha melhor do que quem fala. É o que este pestinha faz! Ele se põe melhor do que um bispo. Crente que nem ele só.
O menino chorava cada vez mais.
Dona Gesy implorou: fala para tampar a boca dela, Joãozinho, fala! Você prendeu a palavra dentro de você e isto é egoísmo. Olha em volta de você e me conta como você chama cada coisa que sem ter nome, sem ser chamada por uma pessoa que seja não existe. Você não quer ter amizade com o rio, o cavalo, as nuvens, olha o sol como pinica na pele! Eles não existem
O pai passou a mão na cabeça do filho e
Olhou preocupado para dona Joana.
A senhora ta dizendo pra criança que ela é assassina. Ela é seu Lico. O rio da glória existe se o senhor falar o nome dele. Se não, não.
O pai pegou o filho pela mão e foi arrastando ele pela estrada. Cada pum mais alto do que o outro, e o fedor parecia mais forte. Mas o pai o protegia do mal que dona Joana rogava para ele.
Não dou a virada da curva para o menino falar, disse ela para dona Gesy.
A curva foi chegando. Eles passaram por ela e sumiram da vista das duas.
Seu Amarildo passou num trote pequeno no cavalo do Pedrinho. Deu boas tardes e falou que o sol tava pinicando a pele. Ofereceu umas bananas para dona Gesy , botou o chapéu na cabeça e deixou todo mundo com deus.
Nisto o menino voltou correndo, passou a curva, tropeçou e , caído no chão gritou, vai pra puta que pariu dona Joana. A Senhora pensa que me engana? Não matei nada não! Olha o rio vivo, olha o sol sua malvada.
Dona Joana riu para dona Gesy que convidou, entra pra dentro mulher, vem tomar uma água gelada. Que susto o Joãozinho levou. Bem feito para ele. E pensar que deixou todo mundo desesperado. Tomara que esteja curado do pum.
Foi a partir deste dia que Joãozinho ficou conhecido como voz de pum. Ele estudou, se fez doutor advogado, mas ninguém na cidade sabia quem era João das Neves. Era falar voz de pum que odos apontavam o escritório do Dr.
Depois que a Joana foi embora, isso já tem tempo, mas demora para acontecer- diziam na cidade que o mal dele estava nos feijões que o pai plantava, Graúdos, saborosos, e que Joãozinho se fartava de comer.
eu fico sempre à espera da continuação... e me delicio ao ler... o que segue? conta, vai... beijossssss
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