sábado, 21 de março de 2009

pois é, não é mesmo? IV



espinhela caída



Gritaram por dona Gesy do meio da rua mesmo. Mania de pobre, resmungava Renida. Ela secou as mãos na roupa e veio ver. Entra pra dentro, compadre, tem café no bule. 
Tô com precisão de falar com a Joana. Ela não tá na cadeira dela. Não demora , compadre. Foi rezar espinhela caída na menina do Chico dos Bazerros. Tá magrinha que dá dó. Veve de catarro. Tanto que o pulmão tá fraco. Joana é tiro e queda, viu a menina, que nenhum médico dá remédio que preste prela e falou que tá com isto e aquilo.
Sabe como é a Joana, né compadre Lico? Uma esperteza de dar gosto e que coração, compadre. Come uns biscoitinhos, fiz ontem na lenha. Tô com a mão que uma chega só. Oia! é o bambú, compadre, lasca a  gente toda nesta vida de cesto. Só ontem fiz mais de cinco, dos menor. Como vai a comadre e a criançada? 
Ela demora?
Nada. Foi num pé e vorta noutro. Qual o problema que o tirou do trabalho com as vacas, compadre? Nada de grave, mas o João, o menor, tá soltando uns fedorentos que preocupa a gente. Vai ver anda comendo bobage, nada de grave, mas o pior é que não controla.
Ó só, como ela vem, anda tão depressa que levanta poeira. 

E lá longe vinha Joana. Passinhos curtos, magra como passarinho, boa para pular de galho em galho.  

A menina já tá com a perna do mesmo tamanho da outra, benza deus, avisou de longe a Joana, o suor escorria vermelho do rosto e o sorriso na cara mostrava os dentes de quem masca fumo. Quando vi que uma táva maior do que a outra matei a charada, espinhela caída. Muita reza, pendurei ela na porta, mandei fazer uns xaropes de erva forte.

A Fulosina, mãe da garota, nem se deu conta que o ossinho mole que vem do coração tava bem na vista da gente. Nem é pra menos, eles fazem a Suelen carregar cada peso que deus me livre! Tomei a medida dela e rezei para curar primeiro o vento caído.

É isso seu Lico, se nas crianças aparecer dor na perna, nas costas olha pra boca do estômago delas, bem aqui, ó. Se um ossinho parecido com pá tiver a mostra não dá outra: é espinhela caída. Pra ter certeza, antes de me chamar, mede com um barbante o cumprimento do dedo do meio até o cotovelo e despois vê se a medida combina com a cintura. Se não, não tem outra coisa, pode me chamar que rezo. Mas cuidado que dá até mais em adulto! A comadre , tendo fé, pode rezar também, até ensino. Repete comigo, compadre, e você também, Gesy. Estava São Pedro deitado na sua capela com espinhela caída. Nosso Senhor passou girando seu mundo dele, encontrou São Pedro e perguntou: - Que tem Pedro? - Espinhela caída, Senhor. - Com que eu benzo, Pedro? - Água da fonte, raminho do monte. - Isso mesmo, Pedro, com isso eu curo. A minha caridade é vossa. Aqui estão as três pessoas da Santíssima Trindade. Aqui está a caridade e a virtude, este filho da Virgem Maria, fulano, há de ir melhorando de hora em hora, de minuto em minuto, de dia em dia.
Aí é só pegar três galhos de fedegoso, fazer sinal da cruz com eles no doente e proibir de comer comida pesada. Eu ainda faço uns xaropes de mato. Mas pode dispensar.
Tem outra reza menos comprida que é esta:  tá no mundo sem parar/ levantando a sua espinhela/ as suas arcas/ Põe tudo em seu lugar/ sua espinhela/ suas arcas/ a seus ventos./ É melhor guardar as duas. Mas o que ventos o trazem , compadre.

Seu Amarildo, de botas novas, vinha no cavalo do Pedrinho e deu bons dias. O sol tá pinicando a pele. Tá de matá, pois é, não é mesmo? Botou o chapéu de volta na cabeça e seguiu caminho desejando a paz de deus para os presentes.
Seu Lico secou o suor do rosto e contou para dona Joana que o Joãzinho táva danado de soltar uns puns fedorentos. Deus nos livre, falou e se benzeu.
Dona Joana pediu pra ver o menino que assim sem sentir o cheiro das coisas ficava difícil de dizer o que era. Seu Lico coçou a cabeça. Posso trazer ele hoje pra senhora cheirar? Esteja à gosto, disse ela, o senhor há de entender que sem ver a compridez  e sentir o cheiro fica difícil de tratar. Se o pum for curto e uma coisa, se longo é outra, se gemer, aí demanda mais cuidado e o fedor precisa ser sentido. Pode trazer o menino hoje, seu Lico. Logo , logo ele melhora. 
Seu Lico disse bons dias, pediu desculpas pelo trabalho que dava, devolveu a xícara do café que tomara e deixou todos com deus. 
Foi pela estrada, naquele sol de tinir, pegar o filho. 



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